Justiça do Trabalho decidirá sobre vínculo disfarçado em franquia com cláusula arbitral.
A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça declarou a competência da Justiça do Trabalho para julgar processo no qual se discute a existência ou não de relação de emprego entre uma empresa franqueadora e a responsável técnica da franqueada.
O conflito de competência analisado pelo colegiado surgiu porque o contrato de franquia, no caso, tem cláusula que adotou a arbitragem como forma de solução de litígios (cláusula compromissória).
Firmado em setembro de 2020, o contrato de franquia foi rescindido em março de 2021. A franqueadora iniciou procedimento arbitral para que a franqueada fosse reconhecida como culpada pela rescisão e condenada ao pagamento de multa contratual.
Por sua vez, a responsável técnica da franqueada ajuizou reclamação trabalhista, pedindo o reconhecimento de vínculo empregatício com a franqueadora de agosto de 2006 a maio de 2021, alegando que o contrato de franquia não passava de uma tentativa de fraude para afastar a aplicação da legislação trabalhista.
Ao mesmo tempo em que o juízo arbitral reconheceu sua competência para o procedimento instaurado, o juízo trabalhista concedeu liminar para suspender a tramitação do procedimento arbitral, o que levou a franqueadora a suscitar o conflito no STJ.
O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, afirmou que o STJ reconhece a possibilidade de conflito de competência entre juízo arbitral e órgão do Poder Judiciário, pois a atividade arbitral tem natureza jurisdicional.
"Havendo ambos os juízos se declarado competentes para decidir ações que guardam entre si inegável vínculo de prejudicialidade externa, e tendo sido proferida em uma delas decisão que impede a regular tramitação da outra, está configurado o conflito de competência", explicou.
O ministro declarou que, segundo o princípio kompetenz-kompetenz, consolidado no artigo 8º, parágrafo único, da Lei 9.307/1996, é o próprio árbitro quem decide, com prioridade em relação ao juiz togado, a respeito da sua competência para decidir sobre a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que a contém.
No caso dos autos, Cueva destacou que o contrato de franquia é de 2020, enquanto a suposta relação empregatícia teria começado em 2006. Dessa maneira, ele ponderou que a cláusula compromissória não pode abranger período anterior ao contrato de franquia, nem ser invocada para definir a competência de julgamento de demandas que não têm relação com ele.
Por isso, o relator entendeu que cabe à Justiça do Trabalho decidir as pretensões voltadas ao reconhecimento do vínculo empregatício, "ao menos no período anterior à assinatura do contrato de franquia".
Quanto ao período posterior, ele observou que seria do juízo arbitral a competência para apreciar a pretensão da franqueadora, inclusive para decidir, com prioridade em relação ao juiz togado, sobre a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória, mas ressaltou que a declaração de validade do contrato de franquia não poderia coexistir com o reconhecimento do vínculo empregatício, cabendo então ao STJ definir qual questão deve ser decidida em primeiro lugar e qual o juízo competente para isso.
Cueva apontou que, se a prejudicialidade entre os processos é evidente e não há possibilidade de reuni-los em um mesmo juízo, deve ser aplicado o artigo 313, inciso V, alínea "a", do Código de Processo Civil de 2015, que determina a suspensão do processo quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente.
Com base nisso, o ministro declarou a competência do juízo do Trabalho para decidir sobre a existência ou não do vínculo de emprego em todo o período reclamado, mantida a liminar que suspendeu o procedimento arbitral até o trânsito em julgado da reclamação trabalhista.
Hipossuficiência do trabalhador O relator comentou que, se não houvesse o questionamento dos direitos trabalhistas anteriores ao período da franquia, a franqueadora até poderia defender a competência do juízo arbitral para decidir sobre o vínculo empregatício, visto que a reforma trabalhista de 2017 passou a possibilitar a pactuação de cláusula de arbitragem nos contratos individuais de trabalho.
Contudo, ressalvou que as relações trabalhistas têm natureza peculiar e que, em regra, são preponderantes a hipossuficiência do trabalhador e a indisponibilidade da maior parte dos direitos tutelados. Nesse sentido, o relator entendeu que seria temeroso conferir eficácia, com base na reforma trabalhista, a uma cláusula compromissória inserida em contrato que, formalmente, não se apresentava como um contrato individual de trabalho. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.
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Fonte ConJur
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